Se foi a pena de Dom João VI que autorizou a impressão dos primeiros livros no Brasil, entregando-nos importantes edições em sua maioria perdidas, foi a teimosia dos livreiros nacionais que nos trouxe, muito antes, os primeiros volumes.
Chegavam-nos os primeiros livros pelas mãos dos contrabandistas, que viam o excesso de homens e ausência de livros deste lado do Atlântico como oportunidade. Pela iniciativa dos livreiros, que sonhavam com os cálculos favoráveis da prensa própria. Pela visão do fidalgo escudeiro, que sonhava com um florescimento cultural tão logo desautorizado pelos censores lisboetas.
Diz-se que, na empresa colonial, o desconhecimento das letras por parte dos nossos índios tornava desnecessário o prelo. Contra tal cálculo, agiam irreprimíveis editores.
Se a Imprensa Régia, futura Typographia Nacional, nos entregou duas dezenas de títulos, produziu a mesma quantidade de atentos e ousados editores que nos fundos de uma pequena propriedade alugada ajeitavam uma máquina usada para baterem cópias rústicas de Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Antônio de Almeida. Na esteira do oportunismo do conde, que buscava boas relações com a Corte através deste investimento de duvidoso retorno, veio a Sociedade Petalógica e a Marmota.
A história dos livros no Brasil foi principalmente uma história de esforços, desaforos e impertinências. De teimosia. Uma história de falências, de dívidas impagáveis e inimizades. Uma história de livreiros, contrabandistas, editores, tipógrafos unidos pela certeza que faltavam livros onde abundavam terras.
Criticando os descaminhos da política nacional, discutindo a jovem nação, imaginando o que seria a literatura desta terra, interessados em trazer ao português tudo que devesse ser lido, estabeleciam oficinas na rua do Ouvidor, na rua do Passeio, rua dos Pescadores. Estavam na Rua do Sabão. Compartilhavam a certeza que neles a língua portuguesa se fazia, e que não faltavam obras a serem traduzidas e publicadas.
A editora Rua do Sabão — fundada por Leonardo Garzaro e Felipe Damorim — nasce da mesma teimosia que há quase três séculos marca o mercado editorial brasileiro. Contra todos os cálculos, imprimir livros pela língua portuguesa, para que não nos faltem obras e títulos que apoiem as discussões no idioma que nos une. Imprimir livros porque há muito a ser dito e pensando, em especial em tempos de ataque a razão como os que vivemos. Imprimir livros porque ainda encontramos centenas de obras que gostaríamos de ver publicadas em português, bem como jovens talentos que estão à margem dos cálculos das grandes casas. Imprimir livros porque somos leitores, e carentes de tantos títulos em edições cuidadosas e precisas.
Tal qual uma rua, onde se circula, se está, se chega, a editora Rua do Sabão estará aberta a todos os escritores que nos apresentem trabalhos de qualidade e paixão. Aberta aos tradutores que se incomodam com a ausência de determinada obra em nossa língua. Aberta aos editores que não se conformam com um belo projeto preterido numa grande casa. Aberta aos artistas gráficos que se incomodam pelas limitações das fórmulas consagradas. Aberta aos leitores.
A Rua do Sabão será o ponto de chegada para importantes obras produzidas em outras idiomas, e o caminho para que nossas melhores letras encontrem todas as muitas línguas que se falam no mundo. A Rua do Sabão comportará selos especializados onde os leitores se encontrarão.
A rua — e esta Rua do Sabão — comporta todos os caminhos do mundo.
Tal qual uma rua, onde se circula, se está, se chega, a editora Rua do Sabão estará aberta a todos os escritores que nos apresentem trabalhos de qualidade e paixão. Aberta aos tradutores que se incomodam com a ausência de determinada obra em nossa língua. Aberta aos editores que não se conformam com um belo projeto preterido numa grande casa. Aberta aos artistas gráficos que se incomodam pelas limitações das fórmulas consagradas. Aberta aos leitores.
A Rua do Sabão não existe mais. Ela foi destruída no começo da década de 40 para dar lugar à Avenida Presidente Vargas, via importante que liga o Centro à Zona Norte do Rio de Janeiro. Antes disso, ela era o ponto de encontro da literatura brasileira. Lá, românticos e realistas, parnasianos e simbolistas, frequentavam a Livraria do Martins, e de lá iam se acotovelar para comer a feijoada bem servida e barata do restaurante G. Lobo. Em 1924, Manuel Bandeira eternizou a ruinha dos escritores e boêmios em um poema. Em 2020, meu amigo Leo me convidou para homenageá-la usando seu nome para batizar nossa editora.
A Rua do Sabão original abrigou editoras, livreiros e escritores; foi um foco de disseminação da cultura literária vinda de fora no Brasil, e um local de partida de onde talentos nacionais saíram para o mundo. A homenagem soou apropriada porque com a Editora Rua do Sabão, nós queremos fazer o mesmo. Trazer títulos inéditos ou que estão meio esquecidos, para o Brasil, usando apenas traduções direto da língua original; e dar espaço para novas obras, criadas pelos autores brasileiros do amanhã.
Nós já temos nossos primeiros títulos no prelo. “O Sorriso do Leão”, uma aventura infanto-juvenil escrita por Leonardo Garzaro, já está na gráfica. Vai ser seguida por “A Casa Sem Janelas”, o clássico de fantasia infanto-juvenil escrito pela criança-prodígio Barbara Newhall Fowlett em 1927, e até hoje inédito no Brasil. Ainda esse ano, vamos ter “A Escória da Terra”, em que o intelectual húngaro Arthur Koestler narra sua prisão e fuga da França ocupada pelos nazistas, “Memórias do Calabouço”, o relato de Mauricio Rosencof e Ñato Huidobro sobre sua prisão pela ditadura uruguaia (e que inspirou o filme “Uma Noite de 12 Anos”), “Conclave: A Eleição do Papa Francisco”, livro-reportagem em forma de diário revelando o jogo político por trás da última eleição papal contado por Gerard O’Connel, o vaticanista mais próximo do Papa Francisco, e “I Will Find You” (ainda estamos brigando sobre o nome em português), em que o apresentador de Homicide Hunter do canal Investigação Discovery, Joe Kenda, conta sobre os casos mais terríveis e impressionantes que já encarou na vida… e que são pesados demais pra TV.
E esse é só começo. Tem mais, muito mais, incluindo o lançamento de Hiperbórea, o nosso selo dedicado exclusivamente à literatura escandinava, palco de uma das mais interessantes cenas de produção literária dos últimos anos. Claro, eu adoraria falar mais sobre isso… e sobre “No Coração na América”, e sobre a nova edição de “…And The Band Played On”, sobre o videocast, e sobre o livro que EU estou escrevendo… Mas não quero aborrecer ninguém com textão. Melhor ir aos pouquinhos e, para não perder NADA do que vamos lançar nos próximos meses, e nos próximos anos, deem like nessa página aqui da Editora Rua do Sabão no Facebook, sigam a gente no Twitter e no Instagram. Além de publicar livros legais, nós vamos também buscar novas formas de levar esses livros até os leitores, e vai rolar suporte para vendas e promoções muito legais pelas redes sociais!
Bem-vindos à Rua do Sabão. Espero que gostem do passeio!
(Felipe Damorim)